quinta-feira, 29 de maio de 2008

Homem destemido

A história nos ensina que a grandeza literária de um escritor independe, muitas vezes, do quanto ele tenha vivido. Assim, alguns dos nossos melhores poetas morreram em plena juventude. Álvares de Azevedo aos 21 anos, Casimiro de Abreu aos 23 e Castro Alves aos 24 anos de idade. Some-se, a esses artistas maiores, o nome de Adolfo Caminha, o admirável autor dos romances A normalista e Bom-crioulo, que, nascido aos 29 de maio de em 1867, não chegou a completar 30 anos de vida, vindo a falecer no ano de 1877.

Natural de Aracati, no Ceará, muda-se em 1880 para o Rio de Janeiro, onde ingressa, aos 16 anos, na Escola de Marinha. Lá, protagoniza um episódio que se tornaria famoso: perante ninguém menos do que o Imperador Pedro II, faz um eloqüente discurso em favor da Abolição e da República, iniciativa que quase o leva à expulsão, não fosse a benevolência do próprio monarca, que por ele intercede.

Guarda-marinho, parte em 1886, no cruzador Almirante Barroso, em viagem de instrução aos Estados Unidos. A experiência teve como fruto o livro No país dos ianques, publicado em 1894.

Em Fortaleza, para onde é transferido, envolve-se com a esposa de um militar, escândalo que acaba por lhe render o afastamento da Marinha. Com problemas financeiros, muda-se para o Rio, onde virá a morrer de tuberculose em 1897, com 30 anos incompletos.

Na rápida, mas relevante obra literária de Adolfo Caminha, destacam-se dois grandes romances: A normalista, lançado em 1893, e Bom-crioulo, cuja primeira edição é de 1895 — este, uma das culminâncias do naturalismo brasileiro, pela crueza do tema e pela ousadia da relação entre os dois marinheiros protagonistas da história.

Além desses volumes, publicou também a poesia de Vôos incertos, os contos de Judite e lágrimas de um crente e os textos críticos das Cartas literárias, a que a imprensa já dera divulgação.

Em 1892, meses antes da transferência para o Rio de Janeiro, participa Adolfo Caminha da fundação, em Fortaleza, da Padaria Espiritual, uma das mais criativas e originais associações de escritores na história da literatura brasileira. Os membros denominavam-se padeiros, a sede se chamava forno, e o jornal que escreviam, O pão.

Para o crítico literário Sânzio de Azevedo, foi a Padaria cearense uma precursora do Modernismo, movimento que só se realizaria três décadas à frente, com a Semana de Arte Moderna, em 1922.

O programa de atuação da Padaria Espiritual, assim que divulgado, foi transcrito e comentado por vários jornais do País, em razão da inteligência e do bom humor que o caracterizam. Patenteia-se, logo ali, o espírito chistoso e provocante da agremiação, como denota, por exemplo, o art. 26, que estabelece: São considerados, desde já, inimigos naturais dos Padeiros o clero, os alfaiates e a polícia. Nenhum Padeiro deve perder ocasião de patentear o seu desagrado a essa gente.

Iconoclastas e brilhantes, criativos e irreverentes, os padeiros agitaram o fim do século XIX cearense, com atitudes e conceitos que somente se repetiriam muito anos depois, pela turma paulista de Mário de Andrade e Oswald de Andrade.

Transcorrido mais de um século, continua a Padaria Espiritual um dos mais originais e interessantes movimentos da nossa história literária, como uma autêntica revolução pré-modernista, que agitou a literatura brasileira, segundo as palavras do professor Sânzio de Azevedo.

Entre os seus jovens membros, destacava-se Adolfo Caminha, de quem ficou a lembrança de um homem destemido, que afrontava os ocupantes do poder e a sociedade preconceituosa que o repelia.

A Adolfo Caminha, a minha homenagem e o meu respeito, pela obra que, ao pé do forno daquela original Padaria, soube transformar o pão que alimenta o espírito.

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