Os amigos falam, com saudade, da mulher firme e afável; os leitores, com gosto, dos romances fascinantes ou das crônicas sempre atuais; os estudiosos, com respeito, de uma obra madura, importante.
De um modo ou de outro, entretanto, todos recordam Rachel de Queiroz, que hoje homenageio pelo transcurso do 17 de novembro, data de seu nascimento. Uma figura ímpar, e, sem dúvida, uma das maiores escritoras brasileiras do século XX.
É comum que, ao tratar de personalidades desse quilate, as pessoas procurem, de alguma forma, rotulá-las. Com Raquel, isso muitas vezes foi tentado, e mostrou-se tarefa das mais difíceis.
Cearense, viveu entre os cariocas, na cidade do Rio de Janeiro, por mais de 60 anos, sem nunca se desligar de sua Quixadá, lá no sertão do Ceará.
Comunista na juventude, colaborou com o movimento de 64 e mais tarde declarou-se “uma doce anarquista”.
Pioneira em muitos momentos, não se vangloriava de ter aberto caminhos.
Criadora de personagens femininas marcantes, negava existir aí qualquer conotação feminista.
Nada disso, contudo, era premeditado. Essas supostas contradições não visavam a surpreender nem chamar a atenção. Rachel de Queiroz atingiu a glória, não apenas a fama transitória, ainda em vida, mas sem perseguir a condição de celebridade.
Na verdade, tornou-se conhecida, respeitada, querida pelos brasileiros como fruto de seu doce ofício de escrever. Escreveu desde cedo, embora dissesse, eis mais um paradoxo, que não gostava de escrever, e que só o fazia porque precisava se sustentar.
Aos 17 anos, já colaborava com o jornal O Ceará. Aos 20, com dinheiro emprestado pelos pais, publicou seu primeiro romance. Longe de denunciar a juventude da autora, O Quinze é um relato forte sobre o drama da seca, que mereceu o Prêmio Fundação Graça Aranha e foi traduzido em vários países, como a Alemanha e o Japão.
Ela receberia premiações também por outras obras, como As Três Marias e Memorial de Maria Moura. Prêmios que, a propósito, foram freqüentes em sua vida literária. Entre os mais significativos, o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras; o Jabuti de Literatura Infantil; o Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano; o Camões de Literatura.
Rachel também poderia ter entrado de vez na política, pois Jânio Quadros a convidou para ser Ministra da Educação. Preferiu, porém, continuar escrevendo, “sendo apenas jornalista”, como explicou à época.
Jornalista que escrevia crônicas para o Correio da Manhã, O Jornal e o Diário da Tarde, depois passou a exclusiva da revista O Cruzeiro, e mais tarde de O Estado de S. Paulo.
Na primeira crônica que publicou em O Cruzeiro, em 1º de dezembro de 1945, admitiu certo espanto com o público que iria atingir, dada a tiragem de 100 mil exemplares da revista, e deixou claro, dirigindo-se ao leitor: “Tenho as minhas opiniões obstinadas – você tem pelo menos cem mil opiniões diferentes – há, pois, muito pé para discordância”.
As Três Marias estreou como telenovela em 1980; Memorial de Maria Moura virou minissérie em 1994, apenas dois anos após o lançamento do livro. Um lançamento até surpreendente, aliás, pois Rachel passara várias décadas sem escrever romances. E, na opinião do crítico Antonio Carlos Villaça, voltou ao gênero com uma obra-prima: “Aos 80 anos, ela escreveu, ousou escrever o seu maior livro”, afirmou então Villaça em artigo no Jornal do Brasil.
Ousadia realmente jamais faltara a Rachel de Queiroz. Ao escrever o romance de estréia, mal saída da adolescência; ao entrar no Partido Comunista e ao se retirar dele, discordando da censura a um de seus livros; ao ser a primeira mulher integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL), eleita em 1977, sem pedir votos nem distribuir gentilezas entre os futuros pares, apenas aguardando calmamente, no Ceará, o resultado da votação.
É à memória dessa mulher tranqüila e corajosa, cheia de talento e muito produtiva, apesar de se dizer preguiçosa, que faço hoje minha homenagem e, tenho certeza, a homenagem dos cearenses, que, com orgulho, represento na Câmara dos Deputados.
É a essa obra admirável, na força do romance, na leveza da crônica ou na graça da literatura infanto-juvenil, que presto reverência na data de aniversário da grande Raquel de Queiroz.
Ela nos deixou em 4 de novembro de 2003, pouco antes de completar 93 anos, mas sua obra e sua memória estão aí, vivas.
Neste novo século, cujos primeiros anos chegou a ver, Rachel de Queiroz permanece entre os principais nomes da nossa literatura.
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
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