Recordemos fato ocorrido em 1994, no bairro de Jacarecanga, na cidade de Fortaleza, em meu Estado, o Ceará.
Em função de obras de saneamento, trabalhadores encontraram no local centenas de ossadas humanas, em covas rasas, como em campos de concentração.
Resolvido o enigma, que tanto impactou a sociedade, soube-se que era exemplo da solução dos coveiros, em fins do Oitocentos, para as dezenas de mortes diárias ocorridas na cidade. Qual peste bubônica brasileira, a varíola dizimava a população do Município. E espraiava-se Fortaleza afora.
À época, um herói venceu a varíola, mesmo contra as autoridades locais que intentavam desmoralizá-lo, e isso antes da campanha de Oswaldo Cruz, de 1904, no Rio de Janeiro. Chamava-se Rodolpho Marcos Theóphilo, nascido a 6 de maio de 1853, em Salvador, no Estado da Bahia, e pouco após batizado em Fortaleza, no Ceará, onde passou o resto de sua vida.
Probo, nosso herói foi perseguido pelo Governo cearense de então, que declarou ser a vacina de Rodolpho ineficaz. É uma legenda médica o laudo de Oswaldo Cruz contrapondo-se a esta infâmia, e certificando que a vacina antivariólica em causa era da melhor qualidade. Em verdade, quando se comparam a epidemia de 1878 com a de 1902, observa-se que naquela, um quinto dos fortalezenses faleceram; nesta, em que Rodolpho vacinara 2.000 pessoas, houve ausência de óbitos.
Antes de fundar a Liga Cearense Contra a Varíola, quando até mesmo comprava animais na produção de vacinas, Rodolpho chegava a vacinar a população indo de casa em casa, com a mulher e um criado. E para convencer as criancinhas a vacinarem-se, chegou a criar a figura de São Jenner (em referência a Sir Edward Jenner, descobridor da vacina antivariólica), com resultados surpreendentes. Um achado como poucos.
Esta alocução louva Rodolpho Marcos Theóphilo como o sanitarista, que acabou com a varíola no Ceará. Sua vida, porém, é também uma novela de realizações meritórias outras que caberiam em livros. Aliás, não faltam livros sobre ela. E não deixa de ser saudável passar do homem higienista para o homem multissetorial. É proverbial sua interdisciplinariedade de gênio.
Farmacêutico dedicado à saúde pública, Theóphilo era também cientista, historiador, jornalista, literato, pesquisador, professor, poeta, político, romancista. Para ilustrar, só como professor, em 1889 pertencia ao corpo docente da Escola Normal Justiniano de Serpa, em Fortaleza, para, em 1890 ingressar no Liceu do Ceará, onde lecionaria Biologia e Ciências Naturais, e então, em 1894, seria catedrático de Geografia. Na impossibilidade de demití-lo por inércia, o Governo do Ceará de então nomeia-o para o ensino de grego, dos raros campos de conhecimento que desconhecia, o que o obriga a afastar-se. Esse e outros episódios não conseguem derrotá-lo em sua trajetória de vida. Nosso higienista deu a volta por cima vida afora. Seguia à risca o lema de Oswaldo Cruz – Não esmorecer para não desmerecer!
Com mais de trinta obras escritas, entre livros de literatura, de história, de saúde, entre outros, não é de estranhar que tenha sido um dos expoentes da Padaria Espiritual, movimento literário que antecedeu de décadas o modernismo de 1922, e que, ademais, foi precursor da Academia Cearense de Letras, a mais antiga Arcádia do Brasil. Arcádia esta que ajudou a fundar, sendo-lhe um dos primeiros imortais. Era, também, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a mais antiga academia de letras do País, e da Sociedade de Geografia de Paris, entre outras honrarias.
Mas toda sua dimensão de homem, se deu em sua luta como abolicionista de primeira hora. Foi fruto de sua luta a abolição da escravatura na Vila de Pacatuba. Logo após a Vila de Acarape (hoje, Redenção), em 1883, ela foi a primeira em que isso se deu no Brasil.
Como Parlamentar pelo Ceará, cito, honrado, as palavras deste cearense vindo do Estado da Bahia – Cearense sou, porque quero! A que se segue este hino de amor – Estou identificado com esta terra mártir. A ela dei tudo: a minha vida, e continuo a dar os dias cansados de minha velhice. Cantei as suas glórias e chorei as suas desventuras. Nos meus livros reflete-se o desmedido amor que lhe devoto.
Por ocasião de seu falecimento, Humberto de Campos proferiu-lhe as seguintes palavras – É esse benemérito que acaba de morrer... Há um homem a menos na terra. Mas há, a esta hora, se o céu existe, mais um justo entre os justos.
Que não existam dúvidas sobre isso. Até porque Rodolpho honrou a memória do pai, seguindo-lhe as pegadas. Oftalmologista, o Dr. Marcos José, nada obstante, já combatia a febre amarela no ano de nascimento do filho.
Sem esquecer que, para além disso, Theóphilo, cuja origem é grega, significa amigo de Deus.
terça-feira, 6 de maio de 2008
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