sábado, 7 de fevereiro de 2009

Inigualável

O dia sete de fevereiro assinala o centenário do nascimento de um dos mais importantes personagens da vida brasileira no século XX. Trata-se de Dom Helder Câmara, falecido há quase 10 anos, mas lembrado, respeitado e muito querido, principalmente pelo povo simples, que ele sempre defendeu.

Nascido em Fortaleza, décimo primeiro filho de uma família humilde, aos quatro anos de idade Helder Pessoa Câmara conheceu os padres lazaristas e, a partir daí, nunca mais se afastou da Igreja Católica.

Aos oito anos, recebeu a primeira eucaristia; aos 14, entrou no Seminário da Prainha de São José, para os cursos preparatórios, e a seguir estudou Filosofia e Teologia. Com autorização especial da Santa Sé, foi ordenado sacerdote em 15 de agosto de 1931, bem antes de completar a idade mínima exigida, que era de 24 anos.

Seu compromisso com os pobres, o desenvolvimento humano e a busca de uma sociedade melhor, também veio cedo, mostrando-se igualmente definitivo.

Ainda jovem padre, no Ceará, aliou-se a lavadeiras, passadeiras e empregadas domésticas para formar a Sindicalização Operária Feminina Católica. A par disso, trabalhou intensamente pelo aperfeiçoamento da educação pública no Estado.

Já no Rio de Janeiro, onde atuou por longos anos, de início como assessor do arcebispado, depois como bispo auxiliar, seu empenho resultou em obras memoráveis.

A Cruzada de São Sebastião, dedicada a amparar as famílias, estimular a educação e difundir a religião, transformou uma antiga favela num conjunto de dez prédios habitacionais, uma escola e a Igreja dos Santos Anjos. No ano passado, essa igreja foi tombada pela prefeitura carioca, em reconhecimento à importância de seu fundador e ao pioneirismo de sua iniciativa.

O Banco da Providência, criado por Dom Helder em 1959, consolidou-se como o maior e mais duradouro programa social da Arquidiocese do Rio de Janeiro, beneficiando anualmente milhares de pessoas com ações de inclusão.

Vale observar que a capacidade de realização demonstrada nesses projetos, apareceu também nos assuntos internos da Igreja Católica.

Dom Helder foi o grande impulsionador da fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), concretizada em 1952; naquela ocasião, os colegas o aclamaram para o posto de secretário-geral.

Em seguida, articulou com bispos dos países vizinhos a criação do Conselho Episcopal Latino-Americano. E, em 1956, instituiu a Cáritas Brasileira, defensora dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável solidário.

Em Dom Helder, entretanto, a enorme disposição de empreender jamais cerceou o homem de idéias, firme na fé cristã e sempre orientado para a caridade.

De volta ao Nordeste em 1964, como arcebispo de Olinda e Recife, ao mesmo tempo que lançava novos projetos e organizações pastorais, ele se tornava uma voz forte contra os abusos do poder e a violação dos direitos humanos pelo regime militar. Aqueles a quem desagradava passaram, então, a chamá-lo de “bispo vermelho”; os demais, os milhares de oprimidos que amparava, o denominavam “santo rebelde”.

A esse respeito, Dom Helder fez, certa vez, um comentário conciso, mas profundo: “Quando dou pão aos pobres, chamam-me de santo; quando pergunto pelas causas da pobreza, chamam-me de comunista”.

Sem deixar de perguntar pelas causas da pobreza nem de partilhar o pão com os pobres, nos anos 70 Dom Helder Câmara passou a ser, mais do que um bispo brasileiro, um verdadeiro cidadão do mundo, ouvido com atenção e acatamento em dezenas de países.

Só aqui não podia falar livremente, pois o regime autoritário impedia seu acesso aos meios de comunicação, tramava represálias, perseguia seus assessores – um deles, o padre Antônio Henrique, foi sequestrado, torturado e morto.

Doutor honoris causa por diversas universidades estrangeiras, cidadão honorário de duas cidades européias e 28 brasileiras, indicado para o Prêmio Nobel da Paz, Dom Helder nunca abdicou de mesclar a humildade, que lhe era natural, com a defesa fervorosa da liberdade e gestos efetivos pela melhoria das condições de vida da população.

Renunciou às funções de arcebispo ao completar 75 anos, porém permaneceu ativo em sua luta, e nos anos 90 lançou uma campanha pela erradicação da miséria, anunciando claramente seu propósito: “Temos de entrar no terceiro milênio sentados à mesa, comendo, saudáveis, fraternos, abrigados do frio, da chuva e do vento”.

Infelizmente, chegamos ao terceiro milênio sem concretizar esse projeto e sem seu idealizador. Dom Helder morrera a 27 de agosto de 1999.

Ficaram entre nós, para sempre, seus extraordinários exemplos de como conciliar grandeza pessoal e simplicidade material, destemor diante dos poderosos e candura para com os humildes, leveza para sonhar e vigor para realizar.

Dos que tanto o difamaram, hoje poucos se recordam. Mas do “Santo Rebelde”, do “Peregrino da Paz”, do “Irmão do Pobres”, do inigualável Dom Helder Câmara, o Brasil e o mundo jamais esqueceremos.

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