Jornal Folha de S. Paulo, 8 de agosto de 2008
Artigo - Classe média e sobressaltos
CLÓVIS ROSSI
SÃO PAULO - É obviamente auspicioso o fato de 52% da população brasileira ter sido rotulada de classe média, a partir do estudo de Marcelo Neri (Fundação Getúlio Vargas). Mas é sempre bom colocá-lo em perspectiva. Na comparação com a Argentina, por exemplo, não há nada a festejar. Os parâmetros para definir o que é classe média são parecidos. Aqui Neri usou R$ 1.064 e R$ 4.591 como o intervalo de renda que caracterizaria um lar de classe média. A Argentina é um tiquinho mais exigente: para ser classe média, a família precisa ter renda mínima equivalente a R$ 1.830. E ainda chama de classe média quem recebe o equivalente a R$ 4.651. Pois bem: 70% dos argentinos pertencem à classe média, porcentagem quase 20% superior à que se verifica no Brasil. Com um detalhe: o mais recente resultado negativo da economia brasileira foi o crescimento zero de dez anos atrás, ao passo que a Argentina sofreu cinco anos (até 2002) de um retrocesso inédito no mundo em tempos de paz. De lá para cá, conheceu o que, aí sim, merece o nome de "espetáculo do crescimento", com o que a sua classe média pôde recuperar pelo menos parte do poder de compra afetado pela crise. O jornal argentino "La Nación" visitou recentemente a classe média local em processo de recuperação e descobriu, por exemplo, Gabriela Valli, psicóloga divorciada, de 42 anos e dois filhos, cujos ganhos passam um pouco do equivalente a R$ 2.151, ou seja, estaria mais ou menos na metade dos pontos extremos de renda que caracterizam a classe média brasileira. Mas, ao contrário do Brasil, ela não festeja. Disse que pertence à classe média por "tradição", mas não por sua realidade. Acrescenta que ser classe média, para ela, é "poder viver sem sobressaltos". Com renda de R$ 2.151 vive-se sem sobressaltos no Brasil?
crossi@uol.com.br
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
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