Aos 81 anos, o dramaturgo, romancista e poeta Ariano Suassuna não tem mais pressa para nada, muito menos para publicar um livro. Atualmente, dedica-se a finalizar um romance que vem escrevendo desde 1981 e, como ele classifica, deve ser a grande obra de sua vida. Suassuna ainda não entregou o manuscrito à editora José Olympio, que fará a publicação, e muito menos tem prazo definido para fazê-lo. “O livro não tem data certa para ficar pronto, porque escrevo a mão. Quanto ao título, escolho como o nome de um filho: só depois do nascimento”, diz o autor, tranqüilo. Mas ele adianta que haverá um capítulo inteiro dedicado à ginasta Daiane dos Santos, pela qual tem grande admiração e respeito.
Ao longo de sua obra, Suassuna sempre procurou trazer à luz esta “alma” brasileira expressa em seus personagens. Nem sempre entendido, mas muito admirado, já foi chamado de “o decifrador de brasilidades”. E elogio é o que não falta para ele. Bráulio Tavares, escritor e compositor, descreveu o autor como altamente acessível: “Ariano Suassuna ‘dá uma geral’ nas principais teorias da Estética, desde Platão e Aristóteles até Hegel e Bergson. Mesmo lidando com uma matéria tão rarefeita, evita o jargão e mantém o discurso num tal nível de acessibilidade que até eu, que tenho uma formação filosófica da ordem do zero-vírgula, fico com a sensação de ter entendido uma porção de coisas”, explica.
Pois já dizia Ortega y Gasset: “A clareza é a cortesia do filósofo”. Já Antonio Candido, poeta, ensaísta e um dos principais críticos literários brasileiros, afirmou que Suassuna foi quem melhor descreveu o jeito matreiro do nordestino: “João Grilo é, para quem não sabe, o amarelo mais amarelo e safado do mundo”. Este personagem é também a representação do nordestino miserável e espertíssimo, pois é somente com esta esperteza que ele se alimenta e sobrevive em uma realidade terrível”. Assim como o mestre do teatro moderno William Shakespeare, o autor também tem uma obra que dá voz e vez a personagens brasileiros, nordestinos e pobres. O dramaturgo inglês fazia algo similar ao trazer para o centro da narrativa coveiros e guardas, que antes dele não faziam parte do teatro.
ENERGIA PURA
Quem pensa que o senhor Suassuna sossegou ao passar dos 80 anos se engana redondamente. O grande autor nacional surpreende cada vez mais com seu humor, sua inteligência e seu carisma. Em entrevista à revista Época, em 2007, antes de seu aniversário, o escritor disse que não há muita diferença entre fazer 70 e 80 anos. “Há vantagens e desvantagens. Se por um lado você tem mais experiência e não tem mais aquela urgência, também está mais perto da morte. A vida me deu muitos golpes, mas eu segui de cabeça erguida”, afirmou na matéria.
E é assim que estufa o peito para defender a cultura popular brasileira, em especial a nordestina. Para ele, a música estrangeira, assim como os filmes e a cultura de modo geral são dignos de jogar fora. “A massificação procura baixar a qualidade artística para a altura do gosto médio. Em arte, o gosto médio é mais prejudicial do que o mau gosto... Nunca vi um gênio com gosto médio. Por exemplo: dizem que o rock americano é música de jovem e sempre querem me converter. Quer coisa mais triste do que roqueiro velho? E agora com esse funk importado? Diz pra mim o que ele traz de cultura para nosso povo?”, declarou em uma aula que ministrou recentemente no Teatro Adamastor, em Guarulhos, São Paulo.
Na mesma ocasião, abordou, com seriedade e um toque de ironia, a política e o cenário brasileiro atual. “Estamos vivendo um momento perigoso, repleto de maldades expostas e exploradas pela mídia. Andaram convencendo a gente de que brasileiro não tem valor. E eu digo que vale muito! O que a gente precisa é acabar com o abismo que existe entre o Brasil oficial, dos privilegiados, e o Brasil real, dos desprivilegiados. Só assim teremos um país justo e realmente grande, como suas extensões territoriais.”
PRIMEIRA INFÂNCIA
Ariano Vilar Suassuna causa tumulto desde o seu nascimento. Naquele 16 de junho de 1927, a tão esperada procissão de Corpus Christi da cidade de Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa (PB), teve de ser interrompida, porque, no palácio do governo, tinha acabado de nascer o filho do então governador João Suassuna.
Na primeira infância, Ariano morou no Sítio Acauã, no sertão do estado. Aos 3 anos de idade, porém, uma tragédia familiar mudaria para sempre os rumos do futuro escritor e dramaturgo: seu pai fora assassinado devido a conflitos políticos da Revolução de 1930. Após o ocorrido, sua família começou a sofrer perseguições, sendo obrigada a se refugiar na cidade de Taperoá, interior da Paraíba. E, por decisão do próprio destino, foi lá que estudou e teve o primeiro contato com o teatro nordestino. Anos mais tarde, essa vivência com um mundo artístico tão rico em imaginação e improvisação acabou influenciando profundamente suas obras, principalmente sua produção teatral.
Aos 15 anos, foi morar em Recife. Lá concluiu os estudos e em 1947, antes de se formar em direito e filosofia, escreveu sua primeira peça de teatro, Uma mulher vestida de sol, que um ano mais tarde recebeu o prêmio Nicolau Carlos Magno. Juntamente com Hermílio Borba Filho, que conheceu na Faculdade de Direito, fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco. A década de 1950 foi marcada por muitas produções de Suassuna, que começou a ser reconhecido por sua imaginação e talento. A aclamação veio enfim em 1955 com o Auto da compadecida, obra que o projetou em todo o país e que até hoje faz sucesso com o público, devido às inúmeras montagens para teatro e adaptações criadas para cinema e televisão. Sem saber qual a extensão de sucesso que essa peça teria mais de 50 anos depois de sua estréia, o critico teatral Sábato Magaldi, ainda em 1962, teria dito que “o Auto da compadecida é o texto mais popular do moderno teatro brasileiro”. Guel Arraes, que adaptou a peça para a TV e, mais tarde, para o cinema, ganhou prêmios da crítica e o reconhecimento do público. Nos anos 1960, foi adaptada para o cinema por George Jonas, com Regina Duarte, Armando Bógus e Antonio Fagundes no elenco. Nos anos 1980, nova adaptação, desta vez feita por Roberto Farias e com o trapalhão Renato Aragão no papel de João Grilo. Na versão mais recente, o filme se beneficia das atuações de Matheus Nachtergaele e Selton Melo, respectivamente como João Grilo e Chicó.
IMORTAL
Em 1956, Ariano Suassuna deixa de lado a advocacia e se torna professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco. O autor seguiu escrevendo e, entre os muitos livros e peças que produziu, destacaram-se: O santo e a porca e O casamento suspeitoso, de 1957; A pena e a lei (esgotado) e Romance d’a pedra do reino, de 1959, esta obra adaptada por Antunes Filho em 2006 para o teatro e por Luiz Fernando Carvalho para uma minissérie de televisão, além de A farsa da boa preguiça, de 1960, e A caseira e a Catarina, de 1961.
Sobre a adaptação para o teatro de Romance d’a pedra do reino, o autor se mostrava cético até ver o resultado final do espetáculo de Antunes Filho. Ele dizia que o romance não servia para ser peça. O motivo de sua descrença era o desafio de encolher para uma hora e meia de duração, as 756 páginas da obra. Justamente o que estimulava o diretor Antunes Filho a adaptá-la. Em 2006, exatos 23 anos depois, o diretor comemorava a estréia da peça, com aprovação do autor. Na época, Antunes comentou: “Na verdade, acho que há duas décadas não estávamos prontos para o espetáculo. Nem eu, nem o grupo, nem o público.”
Em 1970, idealizou o Movimento Armorial, que consistiu no concerto Três séculos de música nordestina: do barroco ao armorial, na Igreja de São Pedro dos Clérigos, e em uma exposição de gravura, pintura e escultura. A iniciativa teve duas preocupações: lutar contra o processo de descaracterização e vulgarização da cultura brasileira e procurar uma arte erudita baseada nas raízes populares da própria cultura do país.
Desde 1990, o escritor ocupa a cadeira número 32 da Academia Brasileira de Letras. Em 1993, também foi eleito para a cadeira 18 da Academia Pernambucana de Letras. Em 1994, se aposentou como professor da Universidade Federal de Pernambuco. Dentre as muitas homenagens que recebeu, a da escola de samba Mancha Verde é a mais recente e, certamente, uma das mais inesquecíveis para o mestre. E sempre que for homenageá-lo, o povo pode bradar uma verdade nacional, que foi o tema do carnaval: “És imortal. Ariano Suassuna. Sua vida, sua obra, patrimônio cultural”. ©
Revista da Cultura edição 17 - dezembro de 2008
domingo, 21 de dezembro de 2008
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